Adoro histórias. A-DO-RO. Li milhares delas durante a vida, e sempre achei fascinante o modo como elas conseguiam engajar, manter a gente sentada na beira da cadeira e proporcionar aquele grand finale que nos levava às lagrimas, seja por felicidade ou raiva. Ler pra mim é sinônimo de me emocionar. Quando comecei a escrever, portanto, tinha esse objetivo: mexer com as emoções do leitor.

Mas ao começar a estudar o assunto, descobri que essa emoção não vinha automaticamente com a simples união de capítulos. Era necessário uma “fórmula” para atingir o centro emocional do leitor (a palavra fórmula pode trazer discussões, tô ciente disso), um tipo de “baliza” que norteia obras ficcionais comerciais. Aprendi também que era mais difícil escrever algo bom do que parecia a princípio, e manter um leitor engajado exigia não só técnica, mas também talento e criatividade.

No entanto, comecei a notar nas últimas leituras que muitos autores ignoravam as técnicas de escrita de romances (ou as seguiam só parcialmente). O resultado? Eu fechava os livros meio suspeita de que havia algo estranho ali. Um início sem evento incitante. Um meio comprido demais. Um final que não chegava nunca ao fim. A sensação final era de que o livro tinha potencial, mas falhava em coisas simples, possíveis de serem melhoradas.

Comecei a me perguntar então: o que diferencia um livro BOM de um livro RUIM?

Existem MILHÕES de respostas para essa pergunta, e uma delas é: técnica. Às vezes o livro era até bem escrito, criatividade não faltava. Tinha diálogos legais. Tinha personagens legais. Mas na hora de mover a história adiante, empacava em devaneios intermináveis. Dramas pouco importantes para o arco principal. O clímax? Por algum motivo que não entendo não encerrava a história, e sim levava a histórias extras (tirando o poder glorioso dos finais). O marco dos 50% (em que o protagonista passa de “vítima das circunstancias” para “agente da própria mudança”), era totalmente ignorado. O evento incitante, (aquela cena que chacoalha o mundo e as crenças do personagem principal no começo da história) não acontecia. A mentira em que o personagem acreditava jamais era confrontada. A tão desejada mudança dos personagens no final? Inexistente. E assim vai.

Veja bem, técnicas demais enrijecem a história. Eu escrevo, entendo isso. Mas técnica de menos empobrece nossas ideias quando as colocamos no papel.

Elas não são obrigatórias, apenas desejáveis. Não é sequer preciso segui-las, elas servem mesmo de baliza.

Pensando nisso – e aberta a trocar ideias com outros escritores – , decidi compartilhar o que anos de podcasts (como o Helping Writer become Authors, da super sensata K. M. Weiland – ela também tem um site, o www.helpingwritersbecomeauthors.com ) me ensinaram.

Decidi começar essa série com A ESTRUTURA DOS TRÊS ATOS.

Gosto como a Kate Weiland explica os três atos, por isso escolhi suas referências para colocar aqui. É bem complexo juntar tudo que ela fala em uma série curta de posts, mas vou tentar. E vou começar pela estrutura, que é um assunto tremendamente útil para quem escreve.

Segundo K. M Weiland, a estrutura dos três atos é essa:

1. PRIMEIRO ATO

1.1 O GANCHO

1.2 SET-UP (personagem, mundo, o que está em jogo)

1.3 EVENTO INCITANTE E O EVENTO CHAVE

2. SEGUNDO ATO

2.1 PRIMEIRA PARTE DO SEGUNDO ATO

2.2 O MEIO /A METADE

2.3 A SEGUNDA METADE DO SEGUNDO ATO

3. TERCEIRO ATO

3.1 O CLÍMAX

3.2 A RESOLUÇÃO

Olhando assim alguns pensarão:

Cruzes, se eu seguir isso minha história vai parecer enrijecida e formulaica, e toda minha arte vai ser destruída!

Se você pensa assim, ignore esse post e siga em frente. Sempre siga a sua arte.

Mas se você pensar diferente, tipo…

Hm, interessante. Isso pode se transformar em um esquema invisível e me ajudar a dar forma ao monstro de mil cabeças que é uma história em seu processo de escrita,

…continue a leitura 🙂

Aviso logo que o assunto é longo. Dividirei os posts por partes, e o de hoje vai cobrir só uma parte do PRIMEIRO ATO.


O PRIMEIRO ATO

P.: O que o primeiro ato deve ter? Qual é a sua função?

R.: A função do primeiro ato é apresentar e encantar.

Segundo a K.M Weiland, o primeiro ato é onde encantamos o leitor. É onde mostramos a voz do protagonista e damos o nosso melhor para torná-lo marcante na cabeça do leitor. E o primeiro ato começa com o gancho.

1.1. O GANCHO

P.: O que é isso?

R.: O gancho é um ANZOL. Um CHAMARIZ. Nessa parte da história, você vende o seu peixe.

Tenha em mente a seguinte informação: o primeiro ato compõe aproximadamente os 25% iniciais da sua história, e o gancho é o iniciozinho desses 25%. Ele é aquela ideia inicial, sua frase de abertura, seu parágrafo introdutório. A apresentação da história ao leitor.

O gancho pode ter muitas formas, mas é, basicamente, uma pergunta. Se você capturar a curiosidade do leitor, você o ganhou. – K.M Weiland

No gancho (que se mistura um pouco com caracterização do setting e dos personagens) você tem um pequeno desafio: você precisa apresentar: O PERSONAGEM, A LOCALIDADE (o mundo onde a história está se passando) e O CONFLITO.

Sozinhos, nenhum deles é o gancho. O gancho só passará a existir se nós convencermos os leitores a se perguntarem: “O que será que vai acontecer?”

Quem é essa família de gente pálida? Será que o garoto que nunca deu papo para ninguém vai dar papo para a Bella? E por que tanto mistério envolvendo seus membros?

A fim de manter nossos leitores engajados, a gente precisa apresentar esse gancho cedo na sua história. A autora alerta, no entanto, que o gancho não pode ser colocado artificialmente, fazendo parecer que a gente tá seguindo uma fórmula: ele precisa fluir dentro do texto, surgir naturalmente.

Outra coisa a respeito do gancho: ele não pode tentar enganar o leitor prometendo mundos e fundos e não cumprir , nem mesmo faze-lo perder um tempo danado tentando imaginar o que você está querendo dizer. Anunciou um segredo? Se esforce pra entregar O SEGREDO. Leitores costumam decidir se continuam a leitura ou baixam outro com base na sua introdução. Se você não arrebentar ali, ele ou ela optará por outro.

É por isso que gancho se chama gancho 🙂 É com ele que a gente “fisga” o leitor.

Ok, leitor intrigado com o seu gancho. Como fazer para que ele continue a virar as páginas?

“Aprofundando os personagens”, a autora responde. O que está em jogo na história? Por que isso é importante para o protagonista? Para Weiland, os leitores precisam ganhar nesses 20-25 % do início um MOTIVO PARA SE IMPORTAREM com o que seu personagem está vivendo. Assim que você aguçar a curiosidade do leitor/da leitora, terá criado a tão importante conexão emocional que faz com que alguém ame seu livro.

Portanto, chegamos ao “Set Up”, ou seja, o momento em que …

2.  APRESENTAMOS O PERSONAGEM , O MUNDO ORDINÁRIO E O QUE ESTÁ EM JOGO

A autora cita como exemplo a célebre frase de Anton Chekhov: “Se você apresenta no primeiro ato uma pistola, certifique-se de que no próximo ato ela será disparada. ” 

O que isso quer dizer?

Que o que vem no primeiro ato e o que vem no segundo precisam estar ligados. O primeiro ato está ali para apresentar ao leitor o que futuramente será usado para a ação. No primeiro ato, os elementos são inocentes e improváveis de ser especiais. No segundo ato, eles mostram a que vieram.

(Já que comecei dando o exemplo de Crepúsculo, puxe na memória e lembre-se de quando Bela conhece a família de Jacob, logo no início.

P.: Por que conhece-la ali? Por que apresentá-los antes?

R.: Porque essa será a pistola que vai disparar mais tarde.

Mais tarde vai fazer todo o sentido Bella ter sido apresentada à família deles. Já pensou que péssimo seria se Jacob só aparecesse na segunda parte, quando Bella tenta entender o que são os Cullen? Se vc não viu ou leu o filme/livro, sugeriria que lessem/vissem para entender a estrutura dos três atos. Livro/filme seguem direitinho a cartilha.

Resumindo: o que podemos tirar de lição do primeiro ato?

  1. O primeiro ato é uma exposição geral. O que for acontecer mais à frente precisa ser abordado/mencionado/ter um significado na primeira parte.
  2. Se o gancho fizer o seu trabalho, você pode seguramente retardar a ação para introduzir cuidadosamente o mundo e aprofundar seus personagens.
  3. Os pontos mais marcantes da personalidade do protagonista, suas motivações e crenças devem ser apresentados aqui.
  4. Os pontos pertinentes do mundo onde o personagem está devem ser mostrados para que você não precise desacelerar no segundo ato para explica-los.(Lembre-se: no segundo ato, você quer ação!)
  5. Certifique-se de cada cena conte para a história. Cada cena deve ser uma peça de dominó que bate no próximo dominó, derrubando as peças diante. Nunca inclua uma cena linda e sem função no livro. Ela pode até ser linda, mas continuará sem função.
  6. O primeiro 1/4 do livro constrói a base de toda a sua história. Uma base fraca irá derrubar até o mais brilhante de conflitos e clímax. Faça o seu trabalho de base, configure todas as suas peças do jogo necessárias e os leitores terão VONTADE de descobrir o que acontece com seus personagens maravilhosos.

No próximo post, continuação do primeiro ato, O PRIMEIRO PONTO DE VIRADA (que decidirá o fim da primeira parte.)

Obrigada por lerem, estudarem e gostarem do assunto. Tô aberta a sugestões e críticas.

Adiante, sempre!