Os benefícios psicológicos do romance

A primeira vez que me deparei com um artigo sobre os benefícios do romance foi em um periódico especializado de psicologia. Sempre li romances, mas nunca tinha me tocado de que eles podiam ser terapêuticos  (lembrando que há a biblioterapia, mas ela nem sempre usa romances românticos para esses fins). “Romancinhos” para mim sempre foram sinônimo de divertimento. Mais ou menos como desligar o noticiário pesado e optar por assistir Friends, sabe? Para esvaziar a cabeça e dar umas risadas.

Então, certo dia, me deparo com um artigo da Maryanne Fischer, pesquisadora da área da psicologia social, e a sementinha é plantada: romances românticos podem ser terapêuticos? Há comprovação científica sobre seus efeitos positivos sobre a nossa psique?

A resposta, minha amiga que lê romances, você já sabe: claro que sim. 

Para começar, precisamos delinear o que chamo aqui de “romance”. Nesse texto, me refiro àquele subgênero dentro de uma categoria vastíssima que traz “uma história de amor central com uma resolução emocionalmente satisfatória e otimista” (que pode ser o felizes para sempre ou o felizes por agora.) Ou, no jargão popular, os romancinhos. 

A Maryanne começa seu artigo dizendo o seguinte: “romances são como doces para os cérebros das mulheres”— como aquele chocolate que você come depois do jantar ou aquela torta de limão com leite condensado depois do almoço em família. Eles são uma mistura de estímulo sensório com um toque emocional. Eles são viciantes porque enchem nossos cérebros de dopamina.  

“[Através dos romances], a leitora pode viver indiretamente por meio da heroína e se apaixonar pelo herói, mas sem sofrer as consequências. Ela não está traindo o marido (a maioria das leitoras é casada) porque é apenas um romance. Ela não corre o risco de engravidar, mas pode imaginar a sedução do herói. Ela sente a emoção, a adrenalina de se apaixonar, tudo por alguns dólares.”

Quais seriam os benefícios de mergulhar em uma literatura que trata das relações humanas? Será que os romances podem ajudar leitores a serem mais felizes? 

Deixo abaixo uma lista que compilei de artigos diversos sobre o tema (as fontes estão lá embaixo). Os resultados me deixaram muito feliz, e certa de que romances fazem bem SIM. 

1. Romances promovem experiências de aprendizado

Romances falam sobre interações humanas. Sobre dramas, conflitos, questões éticas e morais. Se um personagem de um romance comete um erro, você é capaz de identificar o caminho que ele percorreu, analisar suas ações e tentar descobrir se está fazendo a mesma coisa. Se estiver, pode evitar cometer o mesmo erro e ajustar suas ações. A riqueza de situações apresentadas em um romance torna sua leitura um verdadeiro aprendizado, porque você sempre pode encontrar algo para aplicar na própria vida.

2. Romances promovem contato social 

A leitora de romance (principalmente a de hoje, conectada) gosta de compartilhar experiências e discutir os pontos que gostaram ou discordaram em um romance. Através dessa troca conjunta, vamos moldando narrativas e promovendo ações que acabam impactando na vida de muitos (vide os debates sobre abuso, representatividade, sexo consensual, reações diversas). Leitoras de romance são ávidas participantes de grupos e clubes do livro. Elas gostam tanto de debater o tema que criam perfis em qualquer rede para falar sobre suas paixões, e isso conecta pessoas. O impacto positivo que esse debate traz para o estado de espírito dos leitores pôde ser visto claramente durante a pandemia!

3. Romances promovem esperança 

Em épocas de dificuldade (como a que estamos vivendo), significa muito ler um final feliz. A maioria dos romances traz finais cheios de esperança e nos faz fechar o livro com o peito leve. Quando bem escritos (no sentido responsável da palavra), romances tratam de assuntos com sensibilidade e cuidado, e ensinam lições valiosas entre suas linhas. Não raramente, as leitoras procuram suas escritoras preferidas após a leitura para dizer que aquele livro foi uma tábua de salvação em um momento triste, ou a fez chegar a uma conclusão positiva a respeito de um tema.  Como a maioria dos romances traz heroínas que passaram por momentos difíceis na vida (e conseguem sair vitoriosas no final), as leitoras se sentem encorajadas e inspiradas a tentar outra vez. 

4. Romances nos colocam dentro da mente dos outros.

Histórias românticas nos dão a oportunidade de explorar o mundo subjetivo dos personagens. Ao debater certas situações dentro de um romance, exploramos nosso próprio mundo interno. As expressões figurativas, os recursos narrativos, a descrição daquilo que capta nossa atenção colocam os leitores em uma “montanha-russa emocional”, como cita um dos artigos. É como se fôssemos os protagonistas daquela história, convidados a pensar o que faríamos naquela situação caso acontecesse conosco. Ao envolver o leitor e “forçá-lo” a fazer inferências sobre as ações dos personagens, podemos aceitar novas experiências internas, obter insights sobre partes nossas que não gostamos e modificar o nosso próprio jeito de agir ou encarar situações diversas.  

 5. Ler romances ajusta nossa consciência social 

Ao entrar no mundo interior de uma pessoa imaginária, estamos aprimorando nossa capacidade de fazer exatamente a mesma coisa com pessoas reais. Na verdade, “as evidências sugerem que as mesmas regiões do cérebro estão em funcionamento quando pensamos sobre outras pessoas e seus pontos de vista, independentemente de esses indivíduos serem personagens reais ou fictícios. Além disso, embora estejamos falando de ficção, as lutas e preocupações, os prazeres e esperanças, as nuances e a dinâmica social que se desdobram com os personagens podem oferecer percepções valiosas sobre a humanidade e a vida. Esse conhecimento pode nos colocar em uma posição melhor para entender as pessoas em nosso mundo social.”

6. Ler acalma o cérebro

Em épocas de intenso raciocínio e estimulação visual, ler nos possibilita desligar da própria cabeça. Segundo o The New Yorker,

“a leitura coloca nossos cérebros em um estado de transe prazeroso semelhante à meditação, e traz os mesmos benefícios à saúde de um relaxamento profundo. Leitores regulares dormem melhor, têm níveis mais baixos de estresse, maior auto-estima e taxas mais baixas de depressão do que os não leitores.”

Uma pesquisa na Universidade de Sussex mostra que a leitura é a maneira mais eficaz de superar o estresse, superando outros métodos, como ouvir música ou dar um passeio. Em 6 minutos de leitura silenciosa os batimentos cardíacos dos participantes diminuíram, assim como a tensão dos músculos (em até 68%). Psicólogos acreditam que isso se deve à concentração, que cria uma distração e alivia o estresse do corpo. 

7. Imaginar cria empatia

A empatia está ligada ao modo como nos relacionarmos com os outros, e ler nos coloca no lugar do outro. Como qualquer habilidade, colocar-se no lugar de alguém requer treino. Estudos mostram que imaginar histórias ajuda a ativar as regiões do cérebro responsáveis ​​por compreender melhor as ações alheias e ver o mundo de uma nova perspectiva, e que narrativas românticas são imbatíveis em oferecer oportunidades para desenvolver essa capacidade. À medida que nos identificamos com os anseios e frustrações dos personagens, adivinhamos seus motivos e refletimos sobre as questões que eles suscitam. A empatia também está relacionada à abertura à experiência, pois quanto mais aberto você estiver às suas próprias experiências, melhor será sua capacidade de sentir e imaginar o mundo do outro.

Estudos concluem ainda que quem lê mais ficção se sai melhor em ler as emoções dos outros. É como se romances nos deixassem afiados para os relacionamentos.  

8. Livros são “simuladores de realidade”

Keith Oatley, professor emérito de psicologia cognitiva da Universidade de Toronto, afirma que a leitura produz uma espécie de simulação de realidade que “corre na mente dos leitores assim como as simulações de computador funcionam nos computadores”. A ficção, ele observa “é uma simulação particularmente útil, porque negociar o mundo social com eficácia é extremamente complicado, exigindo que avaliemos uma miríade de instâncias interativas de causa e efeito. Assim como as simulações de computador podem nos ajudar a lidar com problemas complexos, como pilotar um avião ou prever o tempo, romances, histórias e dramas podem nos ajudar a compreender as complexidades da vida social. ” Como dito ali em cima, romances nos afiam para a vida.

9. O feminismo está no cerne dos romances 

Mas romances não são aquele historinhas em que a moça faz de tudo para terminar com uma aliança no dedo? Como isso pode ser um ideal feminista? 

Os romances carregaram por anos o estigma de perpetuarem o patriarcado por falarem de amor, da união com o outro e da jornada feminina que termina no altar. Isso não poderia ser mais distorcido do que na verdade o romance é. 

Quem lê romances sabe que seu ponto central está no universo feminino, e que o objetivo final não é o casamento (embora os romances usualmente terminem ali), emas sim no crescimento e transformação da protagonista. Nos romances, o que interessa é o despertar da sexualidade feminina (vide a quantidade de virgens nos títulos de hoje); nos desafios do encontro com o outro; na ênfase do poder feminino e na capacidade da mulher de tomar decisões na vida e no amor. Na maioria das vezes, romances são livros escritos por mulheres e para mulheres, e captam muito bem os dilemas que passamos. Nenhum outro gênero aborda o prazer e o poder feminino como os romances. A discussão sobre o amor, seu papel e seu momento de acontecer gera debates infindáveis e conclusões muito positivas. 

10. Representação 

Ver-se representado e se sentir validado por uma história não tem preço — e as escritoras de romance entenderam cedo que seu público queria diversidade. (Um dos motivos para isso? Provavelmente empatia! 🙂 Entender que não estamos sozinhos e que mais pessoas no mundo passam o mesmo que nós é uma das sensações mais terapêuticas que existe. Hoje existem romances para qualquer tipo de amor existente, basta procurar e você achará sua turma. 

11. Romances estimulam nossa intimidade

Usar as situações descritas nos romances como inspiração para a vida  pode animar seu relacionamento. E, embora possa parecer que estamos falando de sexo, (embora sim, também estamos falando de sexo), expressões cotidianas de amor e afeto descritas nos livros podem inspirar pequenos gestos e melhorar seu relacionamento. 

12. Romances abriram as portas para o debate sobre sexo

Muitas mulheres se sentem desconfortáveis ​​em falar sobre sexo, ou mesmo desfrutar sua sexualidade. Os romances trouxeram, com suas cenas calientes e dilemas interpessoais, o debate para as rodas femininas. Suas protagonistas aprendem e ensinam como mulheres podem ter uma vida sexual saudável e que o desejo é (muito) bem vindo. Romances provêem um espaço seguro para explorar nossas fantasias e descobrir o que nos excita. Romances eróticos, por exemplo, podem ajudar um casal a expressar a sexualidade e explorar curiosidades, além de promover a comunicação e conversas entre parceiros sobre sexo.

Além disso, 

— Leitores regulares dormem melhor e são mais felizes

— Leitores têm menos declínio mental na vida adulta

— Ler melhora nossa memória

— Ler melhora nosso vocabulário   

 

Mas e o lado negativo do romance? Ele existe?

 

O problema da alta expectativa

Romance só faz bem? Imagino que, como qualquer outra coisa no mundo, a resposta seja não. Qual seriam os riscos de ler romances demais? De que maneira a leitura deles poderia ser prejudicial?

Vamos à questão que sempre aparece quando falamos sobre o lado ruim dos romances: as expectativas irreais.

Sempre que lemos sobre os benefícios dos romances, surge essa questão. Será que medimos os parceiros da vida real com a régua provida pelas histórias que lemos? Será que, ao fechar o livro, nos sentimos tristes e frustradas por não termos o Mr. Darcy em nossa vida? 

Hm, talvez. 

(Brincadeirinha:) 

Embora eu tenha encontrado pesquisas que apontam isso (a questão da alta expectativa vs. frustração com a vida real), encontrei o dobro de pesquisas que negam essa afirmação. Na verdade, o que acontece é exatamente o oposto: leitores de romances são mais felizes, em geral. Uma razão pode ser pela mensagem positiva que os romances passam: “tudo acaba bem no final” e isso é reconfortante. Quando temos expectativas positivas sobre o mundo, tendemos a ser mais felizes. 

“Ah, mas esses livros mostram romances não realísticos”

Realmente. Os heróis do romance têm sucesso onde a maioria dos homens costuma falhar. Mas será, mesmo, que os romances deram aos leitores essas expectativas elevadas ou apenas mostraram que é razoável esperar mais dos nossos parceiros? Maya Rodale, no livro Dangerous Books for Girls diz assim: “Meu palpite é que os romances exploram uma necessidade instintiva de ser parceira do meu parceiro, e reforça que é perfeitamente normal desejar sexo, conversa, intimidade e as meias dentro do cesto. É perfeitamente normal querer que alguém que você ama cuide de si mesmo para que possa estar por perto para [dar e receber] amor. Os romances fazem os leitores sentirem que seus desejos são normais e razoáveis ​​e lhes dão uma imagem em suas mentes pela qual aspirar. […] Diminuir ou descartar livros por serem irreais é uma forma de diminuir as expectativas dos relacionamentos. […] cada romance que uma pessoa lê, ela aprende o quão bom é ser  amada, desejada e respeitada [.]…  E ela aprende, com sorte, que seus desejos, vontades e fantasias são perfeitamente válidos.”

Deixo aqui a pergunta para um debate saudável: 

será, mesmo, que acreditamos que o libertino ou o canalha descrito no começo do livro se transformará naquele homem perfeito do final? 

Duvido muito disso. Sabemos, claro, que sempre há aquela mulher inexperiente no amor que acredita nisso, ou a que está cega por uma paixão. Essas precisam de tempo para enxergar, e eu acredito que continuar debatendo esses temas diminuirá consideravelmente o tempo dessas ilusões. Mas as pesquisas da Dra. Maryanne Fisher, que mencionei no começo do texto, confirmam minhas suspeitas: na vida real, cretinos não se transformam em homens perfeitos ou bons pais.

“Por uma variedade de razões, incluindo a maneira como o homem foi criado (como a presença ou ausência de um pai) ou a forma como a testosterona atua no corpo, os homens tendem a permanecer consistentes quando se trata de estratégias de acasalamento. Ou seja, um cara legal que quer ser pai e sossegar geralmente não finge ser um canalha. Da mesma forma, um canalha não consegue se transformar em um pai exemplar de maneira convincente [por causa do amor].”

Acredito que a maioria de vocês concorda que fantasia é fantasia e realidade é realidade. Todas nós sabemos que não vai aparecer um bilionário na nossa porta chamando a gente para conhecer o quarto vermelho, ou um CEO poderoso com um contrato de casamento de fachada. Se você fecha um livro frustrada por causa da impossibilidade de encontrar homens assim no mundo, talvez precise rever a forma como está lidando com a solidão. Será que não é o momento de sair, fazer um curso, se matricular em uma academia ou fazer trabalhos voluntários para conhecer gente que gosta das mesmas coisas que você? (Eu sei, com a pandemia é melhor ficar com o Mr. Darcy mesmo). Mas o ponto aqui é: estamos empurrando para os romances uma responsabilidade que não é deles. Se você está frustrada ou decepcionada, precisa investigar as causas.

Porém, contudo, todavia, se você sabe diferenciar a ficção (deliciosa) da realidade (muitas vezes brutal), continuará a curtir livros sobre canalhas e libertinos regenerados e surtará com cada declaração que a mocinha arrancar desses sem vergonhas. Se isso aumenta nossos padrões e eleva nossas expectativas, que seja para o bem. O que não podemos (sob o risco de continuar sofrendo) é culpar a arte por algo que está mal dentro de nós (esse é o primeiro passo para melhorar). 

Uma última palavrinha sobre a eterna treta de que romances (especialmente os eróticos) são ruins, ou sobre minimizar o papel curativo/a importância dos romances: 

“Dispensar romances é uma forma de dispensar mulheres”, lembra Rodale. Vivemos em um mundo construído por homens, para os homens, e isso nos é esfregado na cara todos os dias. “Em contraste, os romances são um mundo criado para que as mulheres confirmem e validem suas experiências, pontos de vista e desejos. Isso pode torná-lo irreal para algumas pessoas, mas não para todas. É importante que as mulheres sejam capazes de encontrar um mundo fictício construído para servir e refletir suas necessidades, desejos e esperanças e para validar suas experiências.[…] Um mundo de relacionamentos, detalhes e vitórias que equilibra nossas derrotas”. 

Portanto, se você escolheu o romance como o seu gênero preferido, divirta-se com o que eles podem dar de melhor: momentos de risadas e suspiros, e aquele quentinho no coração quando chega no final.   

Todo o resto é recalque. 

 

Beijos,

Karina

 

 

Fontes:

writersdigest.com

https://littlethings.com/lifestyle/romance-novels-and-your-health/2439511-4

https://www.huffpost.com/entry/romance-novels-smart-women_b_1660308

https://buffer.com/resources/reading-fiction/

The New Yorker

Psychology Today

Dangerous Books for Girls, Maya Rodale