Não se perca nos posts: Parte 1 da série “estruturando sua história em três atos”; Parte 2 e Parte 3
Olá escritores! Chegamos à metade do livro. Aquele momento em que você precisa acertar, porque os leitores podem se desinteressar pela sua história, e ninguém quer que isso aconteça, né mesmo?
Vamos então ao PONTO CENTRAL.
O ponto central, uma tradução livre para o “midpoint,” é uma grande e inesperada virada na sua história, bem ali na marca dos 50%.
Como K.M Weiland coloca no site helpingwritersbecomeauthors, é o momento da verdade.
Ele é um dos grandes marcos na arquitetura do seu enredo, uma grande encruzilhada de coisas. E sabe por quê? Porque a partir dele a história ganhará outro impulso.
Preste bem atenção nessa informação: O ponto central tem duas camadas.
a) Em uma, ele mexe com a trama;
b) Em outra, com as verdades do protagonista.
Pode-se dizer que ele acumula duas funções: impulsionar a história e mudar a visão do mundo de nosso protagonista. Não é a toa que o ponto central também é conhecido como “o momento da verdade,” ou o “centro da jornada transformativa do seu herói”
Depois desse ponto, não só a história, mas a postura do protagonista frente ao problema mudará. Essa cena central vem para mexer com a certeza do leitor que está tudo caminhando bem. Não está. (Pelo menos, não ainda)
É a partir desse ponto central que o personagem terá aquele momento de iluminação, de percepção da mentira em que acreditava, e essa será a maior mudança de todas.
Se você pensar bem, o ponto central vai exigir uma resposta do nosso herói ou heroína. Mas a maior diferença, queridos escritores, é que a resposta do personagem já não é mais uma reação, ele começará a agir contra a força antagônica.
Se a cena que vai configurar seu ponto central é uma batalha, uma morte ou algo nada dramático, não importa: o que importa é que essa cena o empurrará para a reação. De agora em diante, se nosso herói quiser sobreviver (espiritualmente, fisicamente, no amor, na carreira), ele terá que parar de se defender e partir para o ataque. Acho que esta é a frase mais importante desse post:
Antes do ponto central, reação. Depois do ponto central, ação.
Vamos a alguns exemplos :
No filme Um crime de mestre (2007), com Anthony Hopkins e Ryan Gosslin, o ponto central acontece em meio ao julgamento de um caso considerado ganho. O promotor, um homem prestes a abandonar o serviço público para embarcar em uma carreira promissora, aceita esse último caso achando que está lidando com um simples caso de crime passional. Ledo engano. No meio do julgamento o jogo vira, e tudo que parecia encaminhar-se para um lado vai ao chão.
Outro exemplo: Em Jogos Vorazes, o ponto central acontece quando Katniss é mordida por uma vespa mutante e acha que Peeta está querendo matá-la. Mas quando ele a salva, ela vê que ele está do seu lado e muda sua visão do jogo. O inimigo não é mais Peeta, são os outros – e especialmente, o governo.
No filme Miss Simpatia, com a Sandra Bullock, Gracie (a policial disfarçada de miss) descobre que a bomba está na coroa das miss, e que não quer que as meninas se machuquem ( ela agora se importa com as meninas). Ela entende a partir dali que precisará enfrentar a si mesma e entender quem ela é (uma mulher que se escondeu atrás de uma imagem masculinizada para caber melhor na profissão) e agir de maneira que acha correto.
No meu livro Sessenta Noites em Trindade o ponto central é a percepção da mocinha de que gosta do capitão Eric, e a partir daí tentará realmente conquistá-lo (e não mais seduzi-lo só por uma noite).
O Ponto central é uma revelação, por isso esse nome pomposo de “momento da verdade”. Essa revelação é a função mais importante do seu ponto central.
Na camada 1 ( virada no enredo) essa revelação terá uma ligação direta com o conflito externo entre o protagonista e vilão. O herói tinha um objetivo, mas forças antagônicas lançaram obstáculos dos mais diversos em seu caminho, e o herói estava reagindo de modo defensivo. Agora, graças a esse evento central, o protagonista terá acesso a informações importantes que o permitirão finalmente tomar controle da situação.
Na camada 2 (a revelação interna do personagem), nosso herói terá uma revelação sobre si mesmo, e a natureza do conflito externo. É o momento da verdade (de novo?). Ele finalmente percebe que aquilo que ele acreditava ser verdade é uma mentira.
K.M Weiland nos dá uma fórmula sobre isso (e se fosse vocês, guardaria ela muito bem no seu caderninho de anotações):
A mudança interna que o herói sofrerá advirá da sua batalha interna em entender o que é verdade e o que é mentira na sua história.
Sacaram?
Que tal um resumão para não esquecer?
Aqui vão algumas dicas e ideias de como montar um ponto central poderoso:
1) Descubra a mentira em que seu personagem acredita.
Volte lá na página 1 do seu livro. Qual é a mentira que o seu personagem acredita? (A mentira é geralmente algo que ele quer muito lá no comecinho, e depois vai perceber que não é exatamente aquilo que ele queria) Você só saberá a verdade que precisa alcançar se souber que mentira é essa. E como a verdade do seu herói se sobreporá a essa mentira? No exemplo de Jogos Vorazes, a mentira que Katniss acredita é que precisa matar todos para sobreviver. A verdade que ela descobrirá é que aqueles outros meninos não são seus inimigos, e sim vítimas como ela.
2) Pense no seu enredo e tema
Assim que você descobrir a mentira e a verdade a ser revelada, pense no enredo e no tema. Pense a cena que vai escrever para o ponto central (sim, pense nela, visualize-a). Essa será uma das maiores cenas da sua história. Mesmo que essa cena seja uma batalha, o momento da verdade pode vir durante um momento tranquilo de introspecção pessoal.
Fala-se no meio literário de um “momento de espelho”, em que o personagem deve (metaforicamente ou não) olhar para o seu próprio reflexo e confrontar o que vê. Em algumas histórias, você pode retratar esse momento pura e simplesmente fazendo-o se olhar no espelho e enxergar o que ele não queria ver, ou contrastar a imagem do personagem com alguém que o faz enxergar seu próprio estado.
Nota: esta visualização do “momento espelho” não é uma obrigação, mas pode apresentar um belo simbolismo, se bem feito.
3) Introduza um novo personagem cuja presença contribui para o perigo
Essa é apenas uma idéia, veja se esse personagem cabe realmente no seu enredo. Ex: Um assassino na sua cola; uma mulher que seduz o herói no quarto do hotel e rouba os planos que ele guardava, etc. Essas pessoas chegam inesperadamente, mas causam a confusão (e mudança) necessária.
4) Mude a ameaça ao herói.
Ex.: Um ex assassino precisa matar um homem para a CIA para escapar de ser preso. No entanto, assim que o assassinato ocorre, a CIA passa a persegui-lo e ele precisa descobrir quem o traiu.
5) Introduza novas informações.
Ex.: Bridget Jones descobre que seu namorado Mark está envolvido com outra mulher em O Diário de Bridget Jones; Jack Reacher desconfia que a mulher com quem ele está envolvido pode ser uma assassina.
6) Mate alguém.
Ex.: Quando o herói está perto de descobrir quem matou determinada pessoa, outra é assassinada (o que o faz voltar à estaca zero, mas ganha a certeza de que o assassino o conhece, conhece o tipo de enredo? ) Outro exemplo: já repararam que na série 24h, Jack Bauer luta com um monte de caras maus pelas primeiras 12 horas, apenas para perceber no meio que o verdadeiro vilão é alguém completamente diferente?
7) Revele um segredo.
O ponto central é um ótimo lugar para revelar segredos. Pense em O Código Da Vinci. O ponto médio do romance de Dan Brown é a descoberta do que é o Santo Graal. Essa revelação traz novas informações e muda a forma como o protagonista vê seu mundo e o problema.
8) Pegadinha
O ponto médio também é ótimo para revelar uma pegadinha, onde o protagonista acha que ganhou, mas a verdade é exatamente o oposto. O protagonista recebe tudo o que ele pensou que ele queria, mas se dá conta de que auilo foi o pior que poderia ter acontecido a ele.
Ex.: Em Jogos Vorazes, quando Katniss é picada pela vespa, ela tem certeza que vai morrer pelas mãos de Peeta, mas ele a salva.
9) Aumente as apostas e a pressão.
Como Katniss vai matar Peeta ou Rue? Como vai vencer se precisa eliminar todos? A cada pessoa que ela se aproxima (e se afeiçoa), mais roemos as unhas. Faça o personagem se aproximar de quem ele não deveria, e afeiçoar-se a ele /ela.
10) Detone o sistema de apoio do protagonista
Personagens que estavam dispostos a ajudar o herói não podem ou querem mais ajudá-lo. Faça o acesso aos recursos necessários para a sobrevivência desaparecerem. Ninguém quer se jogar nessa empreitada que o herói se meteu.
11) Coloque um relógio na história.
Tudo fica pior com um prazo. Coloque uma bomba a ser explodida, ou uma hora limite para tal coisa ser feita. Isso dá agonia e aflição no leitor. E um leitor aflito é um leitor fiel.
Espero que esse post tenha sido esclarecedor! Se tiverem dúvidas, deixem nos comentários! Um abraço e até o próximo, a segunda parte do segundo ato!
Fontes:
- Helpingwritersbecomeauthors.com
- http://blog.janicehardy.com
- storyfix.com/story-structure-steries-6-wrapping-your-head-around-the-mid-point-milestone
- Story Structure Series: #6 — Wrapping Your Head Around the Mid-Point Milestone